A escalada é um esporte outdoor por natureza e, a não ser que você seja um resineiro convicto e satisfeito, ficar algumas semanas sem ir para a rocha é um verdadeiro martírio. A última vez em que eu estivera na rocha já contava um mês e, desde então, entre estudos, trabalho e treinos no ginásio, eu fui um infeliz urbanoide. Foi aí que, na quinta-feira 18/01, à tarde, recebi uma mensagem do Xavier me perguntando se eu estava em São Paulo.
- Tô. E você?
- Cara, posso fazer uma proposta? Ir para São Bento e botar meus filhos na Normal do Baú... Preciso de parceiro pra isso!
- Opa! Claro, mas que dia?
- Amanhã...
Uns minutos para pensar e... É claro que eu tô a fim.
Os filhos do Xavier são dois garotos adoráveis - Sebastião, ou Tim, de nove anos, e Francisco, de dez. A escalada não é novidade para eles, afinal o pai é escalador e eles, além de já conhecerem a escalada indoor, já tinham feito top rope em algumas falésias. A proposta era interessante pra mim porque, além de fugir do zoo humano que é São Paulo e ir para a bela São Bento do Sapucaí, na Serra da Mantiqueira, eu repetiria uma via famosa por sua chaminé e teria o prazer de ajudar um amigo a fazer a primeira trad tendo seus moleques como parceiros de cordada.
No dia seguinte, saímos tarde de São Paulo, por volta das 20h, embaixo de mais uma chuva de janeiro. Depois de pouco mais de duas horas de estrada, sem pararmos para nada, chegamos ao sítio que seria nossa base em São Bento. Depois de tirarmos as coisas do carro e de comermos um prato rápido que o Xavier preparou, apesar de cansados, acendemos a lareira (mesmo no verão, as noites em São Bento, principalmente nas regiões mais altas, permitem esse prazer) e ficamos conversando e jogando xadrez. Os garotos são jogadores curiosos e interessados em todos os aspectos do jogo. Eu gostaria de dizer que não vi o tempo passar e que, quando me dei conta, já era tarde da noite, mas o fato é que eu, com a Normal na cabeça, estava um pouco preocupado, pois se quiséssemos escalar no sábado, o ideal seria começarmos a escalada cedo para não sermos surpreendidos pela chuva. Vã preocupação! Apesar do tempo bom no dia seguinte, o sábado foi um dia preguiçoso para os adultos e um dia inteiro de futebol e vídeo-game para as crianças. À noite, porém, apesar da resistência do Tim e do Francisco, interrompemos o xadrez e fomos para a cama com o objetivo de acordar cedo e bem dispostos para fazermos a primeira paredinha da vida deles.
O relógio despertou às 6h. Fiquei esperando o barulho das crianças pela casa para me levantar. Nada. Cansado de enrolar na cama e desejoso de saber como estava o tempo, me levantei e fui à varanda. Chovera à noite e o céu estava ainda parcialmente encoberto por nuvens acinzentadas. Não vi problemas na demora para sair, pois seria o tempo de o sol aparecer e a via secar. A Normal do Baú é uma via curta e fácil. Tem apenas duas enfiadas e leva ao cume da pedra. O desafio da via, no entanto, é o seu começo: uma chaminé meio "diedrada" da qual não é legal cair. Não faz muito tempo, uma escaladora caiu e quebrou as pernas ali... O início da aventura, porém, começa no fim da escadinha amarela que leva ao col (ou colo, uma espécie de ligação rochosa entre as pedra do Baú e Bauzinho). Por segurança, eu prefiro me equipar ao pé da escadinha e já subo de cadeirinha e sapatilhas, com a corda nas costas para me encordar no início da travessia. Não costumo fazer o col desencordado, pois, apesar de fácil, é uma travessia muito exposta e qualquer queda pode ser fatal. Assim, todos nós nos equipamos ainda na base da escadinha. Xavier, Francisco e eu com cadeirinhas e o Tim com uma espécie de macacãozinho de escalada próprio para crianças.
Organizamos a passagem do col de modo que eu fosse na frente para dar segurança para os garotos e o Xavier fosse o último, para os ajudar caso eles tivessem algum problema no meio do trecho a atravessar. Usamos nesta parte apenas uma corda de sessenta metros: eu na ponta, tendo depois do meio da corda o Tim, preso a ela por um nó azelha, e o Francisco na outra ponta, com um nó oito no loop da cadeirinha. Se você tem experiência com escalada deve estar se perguntando: e o Xavier? Bem, depois que eu chegava a um trecho em que estava seguro e montava uma ancoragem, ele encordava os garotos para que eu lhes desse seg e então fazia o trecho desencordado. Como disse acima, a travessia é exposta, mas fácil, com um ou outro ponto mais delicado, principalmente antes de chegar ao primeiro grampo que serve como parada para quem vai fazer as vias Cresta, Learning to Fly ou Normal do Baú. Na escalada, você deve conhecer seu psico, seu grau de habilidade e técnica, saber avaliar o risco e se responsabilizar pelas suas ações. Em outras palavras, a escalada é um esporte de risco calculado.
No grampo que marca o fim do col nós nos ancoramos, já usando a partir daí duas cordas. Fiz a curta travessia em aderência e iniciei a trilha para a chaminé. Chegando lá, não foi surpresa ver água escorrendo na chaminé, e bem nos locais mais adequados para usar os pés e as mãos. Dei seg para os outros e, quando o Xavier chegou, avaliamos o problema.
- Vai ser mais difícil com ela molhada.
- Podemos fazer a Cresta...
(silêncio)...
A dificuldade estava maior porque escorria uma faixa de água de cerca de sessenta centímetros de largura desde o alto até a base da chaminé. Fora isso, por causa da chuva na noite anterior, a terra estava molhada e as solas de nossas sapatilhas estavam cobertas de barro. Era pressioná-las contra a parede e escorregar! Eu já guiara aquele trecho uma vez, mas ele estava seco. Mesmo assim, percebi que não dava para descuidar. Pressionar as costas contra a parede sem aliviar a pressão nela nem nos pés e mãos é fundamental para não cair. Dessa vez, depois de eu escorregar e tentar sem sucesso subir de maneira a não usar as partes molhadas da parede, o Xavier entrou e... que sufoco! Houve momentos em que escorregões e travadas nos fizeram prender a respiração e dar a queda como certa. Mas, por fim, ele alcançou um cordelete que está entalado numa fendinha na saída da chaminé e chegou ao primeiro grampo. Ufa! Decidimos subir todos para este ponto, ajudando as crianças e depois alçando as mochilas, para daí prosseguir. Uma vez reunidos, repetimos a estratégia que usamos na passagem do col. Quando, na primeira parada, as crianças se juntaram a mim, montei a seg do Xavier com o grigri ligado à ancoragem e o Francisco pôde recolher a corda. Era o filho fazendo segurança para o pai. Novamente reunidos, fizemos um lanche. Estávamos todos famintos...
As crianças fizeram as duas enfiadas da via com relativa facilidade, e foi muito bom ouvir o Tim dizer, depois de uma quedinha que o fez pendular:
- Cair me ajudou!
É que ele acabou sendo levado para uma área da via com agarras maiores, que diminuíram a dificuldade. Eu não tenho filhos, mas ver como meus amigos estimulam suas crianças a subir em coisas, seja uma parede artificial de escalada, um bloco de pedra ou uma árvore, é um modelo para mim. Acredito que crianças que crescem em contato com a natureza, que são incentivadas à prática de esportes e a enfrentar desafios, se tornam adultos mais autônomos e confiantes. Na cidade, nos apartamentos, tudo é risco, é perigo: as crianças ouvem "cuidado, você vai cair!" o tempo todo... Isso não é bom. Eu concordo com o Tim: cair ajuda!
Francisco escalando na primeira enfiada da via Normal do Baú, após a chaminé
Da segunda parada da Normal, vai-se caminhando para o cume e não fizemos esse pedaço encordados, mas ainda assim é bom estar atento em lances de trepa-pedra e travessia, principalmente se tiver chovido. Chegamos ao cume por volta das 17h e ficamos algum tempo lá, apreciando a vista (é possível ver algumas cidades vizinhas, como Taubaté, por exemplo) e os tubos de chuva ao longe. E foi para evitar pegarmos chuva lá em cima que, após outro lanche e algumas fotos, decidimos descer logo. Caminhamos, então, para a escada da face sul da pedra. Eu gostaria de dizer que ela continua interditada, mas sequer existe escada. Assim, em vez de rapelar, preferimos descer pela escada da face norte e fazer a trilha que contorna o Baú em direção ao estacionamento do Bauzinho.
Ainda havia luz quando chegamos ao carro. Cansados da trilha e da escalada, merecíamos uma recompensa. Sugeri como destino a cidade, mais precisamente a sorveteria da praça, onde tudo acabou em sorvete e açaí.
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Agradecemos ao Marcos pela gentileza de ter enviado este belo relato e aproveitamos para convidar a todos para que participem do blog. Se você deseja participar, comente nesse artigo dizendo que quer contribuir com o conteúdo e entraremos em contato com você!